Viver fora do Brasil pode ser uma experiência enriquecedora, mas também desafiadora. Além das barreiras linguísticas, os brasileiros que moram no exterior enfrentam diferenças culturais que podem afetar sua saúde emocional e psicológica. Nesse contexto, a psicologia intercultural se torna uma ferramenta essencial para terapeutas que atendem essa população.
O Impacto das Diferenças Culturais na Saúde Mental sob a Ótica da Psicologia Intercultural
Mudanças culturais podem gerar sentimentos de isolamento, estresse e ansiedade, aspectos frequentemente analisados pela psicologia intercultural. A adaptação a novos costumes, normas sociais e valores pode ser difícil, especialmente para aqueles que carregam uma identidade profundamente enraizada na cultura brasileira. Questões como saudade da família, dificuldades de integração e desafios na comunicação podem afetar o bem-estar emocional.
O que é Psicologia Intercultural
A psicologia intercultural é uma área da psicologia que estuda como a cultura influencia o comportamento, os pensamentos e as emoções das pessoas. Ela busca compreender as diferenças e semelhanças entre indivíduos de diferentes culturas, ajudando a promover interações mais saudáveis e eficazes entre pessoas de origens diversas.
Na prática clínica, a psicologia intercultural permite que terapeutas considerem aspectos culturais no tratamento, garantindo um atendimento mais sensível e personalizado. Isso é essencial para brasileiros que vivem no exterior e podem enfrentar desafios emocionais decorrentes da mudança cultural.
A Psicologia Intercultural Como Ponte de Compreensão
A abordagem intercultural na terapia reconhece que a cultura influencia nossa maneira de pensar, sentir e reagir ao mundo. Um terapeuta que domina princípios da psicologia intercultural, como o Psicólogo Daniel Pereira, pode ajudar brasileiros no exterior a compreender suas dificuldades a partir de uma perspectiva ampliada, considerando tanto os fatores individuais quanto os contextos culturais em que estão inseridos.
Psicologia Intercultural e os Diversos Contextos de Brasileiros no Exterior
Apesar de brasileiros que moram no exterior possuírem a característica em comum de viverem fora do seu país de origem, são vários os contextos em que cada pessoa pode estar inserida.
Quanto a intenção de viver em outro país, a pessoa pode ser um expatriado ou imigrante.
- Expatriado: Geralmente, refere-se a alguém que se muda para outro país temporariamente, muitas vezes por razões profissionais ou acadêmicas. Expatriados costumam manter vínculos fortes com seu país de origem e, em muitos casos, planejam retornar após um período determinado. O termo é frequentemente associado a trabalhadores altamente qualificados ou enviados por empresas para atuar em filiais internacionais.
- Imigrante: Refere-se a uma pessoa que se muda para outro país com a intenção de estabelecer residência permanente. Os imigrantes podem buscar melhores condições de vida, oportunidades econômicas ou fugir de situações adversas em seu país de origem.
Seja o brasileiro que mora no exterior um expatriado ou imigrante, existem ainda características distintas do contexto de cada pessoa que trazem desafios específicos, como nos exemplos abaixo:
- Homens e mulheres sozinhos: enfrentam os desafios da adaptação em um novo país sem o apoio de acompanhantes ou familiares. Precisam se adaptar a uma nova cultura, com variações sociais e a construção de uma nova identidade considerando as diferenças do papel de gênero.
- Casais de brasileiros: desafios adicionais de adaptar a relação conjugal proveniente de uma cultura brasileira às mudanças de viver em outro país, envolvendo uma nova divisão de responsabilidades e negociações diante das novas expectativas culturais.
- Casais interculturais: desafios enfrentados por casais de diferentes origens culturais, envolvendo dinâmicas de comunicação intercultural, negociação de valores e tradições.
- Crianças de Terceira Cultura (TCKs): são crianças que passam uma parte significativa da infância ou adolescência em uma cultura diferente da de seus pais. Elas desenvolvem uma identidade híbrida, combinando elementos da cultura de origem e da cultura do país onde vivem, o que torna essencial o olhar da psicologia intercultural para entender os impactos dessa formação identitária na vida emocional da criança.
- Crianças Transculturais (Cross-Cultural Kids): conceito mais amplo que inclui qualquer criança que tenha sido exposta a múltiplas culturas, seja por imigração, adoção internacional, pais de diferentes nacionalidades ou mudanças frequentes de país. Diferente das TCKs, que geralmente vivem em um país estrangeiro por um período prolongado, as CCKs podem ter experiências multiculturais sem necessariamente se mudarem para outro país.
Como a cultura afeta a expressão das emoções
Existem estudos que apontam como as pessoas de diferentes culturas lidam com suas emoções de maneiras distintas. Leslie S. Greenberg, fundador da TFE – Terapia Focada nas Emoções, em seu livro Transformando Emoções com Emoções compartilha dados de suas pesquisas e experiências clínicas.
Ele cita como exemplo que em um contexto asiático, a sogra pode entrar na cozinha do casal e cozinhar. A nora pode sentir isso como uma intrusão ou aceitar como algo normal. Não que tenha uma forma correta para lidar com essa situação, mas o estilo asiático harmonioso tende a valorizar a harmonia acima da asserção, levando provavelmente a uma maior aceitação. Já o estilo ocidental tende a priorizar a assertividade e a definição de limites, podendo levar a um comportamento mais franco e de oposição.
Em culturas ocidentais é mais comum expressar a raiva para defender interesses pessoais, enquanto que em outras culturas mais coletivistas existe uma tendência a evitar o conflito, pois manter a coesão e a harmonia grupal é prioridade. Em países como Tailândia e Vietnã, onde existe culto aos ancestrais, não é adequado expressar raiva dos próprios pais.
A psicologia intercultural nos ajuda a compreender como normas culturais moldam a maneira como emoções são vivenciadas e expressas. No Japão as emoções que são baixas no espectro da ativação, como calma, serenidade e tranquilidade são encorajadas, enquanto que emoções com alta ativação, como a raiva, desprezo e aversão são desencorajadas. Assim, pode ocorrer de pessoas japonesas minimizarem autoexpressões negativas em um esforço para preservar a harmonia social.
A cultura aumenta a probabilidade de uma resposta emocional quando ela está de acordo com o modelo, ao passo que diminui a probabilidade quando não está de acordo com ele. Nesse sentido, uma emoção ser percebida como saudável ou problemática é algo que sofre influência da cultura.
Nas culturas orientais, a vergonha tende a ser considerada uma emoção boa, pois ela pode ser vista como modéstia ou respeito e demonstra decência, humildade e que a pessoa sabe o seu lugar no mundo. Quando normas sociais são violadas, experienciar e expressar vergonha pode ser visto como uma forma de reparar a violação da norma.
Nas culturas ocidentais a vergonha pode ser associada ao fracasso, e pode resultar em comportamentos destrutivos para a própria pessoa ou para suas relações. A vergonha é tão insuportável em culturas individualistas que podem, com frequência, se transformar em raiva.
Compreender como nossas emoções são culturalmente influenciadas cria novas possibilidades de poder vivenciar nossos sentimentos.
Estratégias Terapêuticas Adaptadas ao Público Brasileiro
Para um atendimento eficaz, é importante que terapeutas desenvolvam estratégias adaptadas à realidade de seus pacientes. Algumas práticas incluem:
- Valorização da identidade cultural: Compreender e reforçar a importância dos valores brasileiros na construção da identidade do paciente.
- Empatia cultural: Considerar as particularidades emocionais e sociais que envolvem a adaptação ao país estrangeiro.
- Intervenções flexíveis: Ajustar técnicas terapêuticas para equilibrar a cultura de origem e a cultura do país onde o paciente reside.
Terapias Eficazes
A Terapia Focada nas Emoções (TFE) estimula e orienta que os terapeutas sejam culturalmente sensíveis, inclusive reconhecendo e entendendo que a própria cultura do terapeuta o influencia, assim como suas relações com os pacientes. Perceber e estar atento a este ponto facilita a compreensão do aspecto intercultural no processo terapêutico e estabelece uma relação de respeito e não julgamento.
A TFE pode ser uma abordagem extremamente eficaz para brasileiros que vivem no exterior, especialmente considerando os desafios emocionais e interculturais que essa experiência pode trazer. Aqui estão alguns aspectos importantes:
1. Processamento das Emoções Relacionadas à Mudança Cultural
Mudar-se para outro país pode gerar uma mistura de emoções, como ansiedade, solidão, saudade e até choque cultural. A TFE ajuda os indivíduos a identificar, compreender e regular essas emoções, promovendo um maior equilíbrio emocional.
2. Fortalecimento da Identidade e Sentimento de Pertencimento
Brasileiros que vivem fora podem sentir uma desconexão com sua identidade cultural. A TFE auxilia na reconstrução do senso de pertencimento, permitindo que a pessoa integre sua cultura de origem com a nova realidade.
3. Melhoria na Comunicação e Relações Interpessoais
A adaptação a um novo ambiente envolve interações com pessoas de diferentes culturas. A TFE trabalha a expressão emocional autêntica, facilitando a comunicação e a construção de relações saudáveis.
4. Redução do Estresse e da Ansiedade
A experiência de viver no exterior pode ser estressante, especialmente devido a barreiras linguísticas e diferenças culturais. A TFE ensina estratégias para lidar com o estresse e a ansiedade, promovendo maior bem-estar psicológico.
5. Apoio na Superação de Dificuldades Emocionais
Se a pessoa enfrenta desafios como depressão, isolamento ou dificuldades de adaptação, a TFE pode ser uma ferramenta valiosa para reconhecer padrões emocionais negativos e transformá-los.
Conclusão
A psicologia intercultural oferece um olhar sensível e amplo para o atendimento terapêutico de brasileiros no exterior. Compreender a influência da cultura na saúde mental e adaptar estratégias às necessidades do paciente pode fazer toda a diferença na jornada de adaptação e bem-estar emocional.